Saúde Mental e Bem Estar

TOURETTE: Muito mais do que tiques

Paula Rodrigues

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A Tourette é uma neurodivergência clinicamente definida pela existência de vários tiques motores e, pelo menos, um tique vocal. Os tiques motores envolvem movimentos realizados com o corpo, podendo estes ser simples (piscar os olhos, fazer caretas, mexer os dedos dos pés…), ou complexos (bater em si próprio, bater em objetos…). Já os vocais, são movimentos e produção de sons circunscritos às zonas respiratórias e também eles têm esta classificação (simples: fungar o nariz, aclarar a garganta…; complexos: repetir palavras ou frases, dizer palavras obscenas…). Todos os tiques são involuntários, pelo que não existe uma vontade ou intenção deliberada subjacente.

Os tiques devem surgir antes dos 18 anos e estima-se que a idade mais comum de aparecimento ronda entre os 5 e os 7 anos de idade. É importante salientar que a Tourette é uma neurodivergência com uma variabilidade significativa e que, por essa mesma razão, as pessoas em redor da criança poderão ficar de certa forma confusas quanto à sua presença ou até mesmo desvalorizar o que está a acontecer. Assim sendo, ter em conta que poderão existir mudanças sistemáticas no número, frequência, tipo e localização dos tiques, com aumento ou diminuição da sua expressão e que estes podem até mesmo desaparecer por períodos mais ou menos longos e sem ter sido realizada qualquer intervenção.

Ao longo dos anos a Tourette tem nos sido dada a conhecer numa ótica centralizada nos tiques, o que traz como consequência um grande desconhecimento sobre o que é viver com esta neurodivergência e a multiplicidade de aspetos que é importante que profissionais, pais, pares, escolas e sociedade em geral, tenham em consideração para melhor acomodar esta população. 

Na verdade, quando se procura explicar ou sensibilizar sobre este tema, é também importante falar sobre funcionamento executivo (como o controlo de impulsos, por exemplo), sobre regulação da atenção, problemas de sono, das dores no corpo, tensões acumuladas, na desconexão corpo-mente muitas vezes existente, ou no receio de ser mal-interpretado, julgado e, por isso, também na presença de uma necessidade latente em esconder os tiques, o que sabemos hoje em dia que tem repercussões negativas para o próprio. Só através desta visão global, mas individualizada, é possível compreender verdadeiramente a pessoa e atender às suas reais necessidades.

O diagnóstico é médico e deve ser feito através de uma boa observação da pessoa e conhecimento aprofundado sobre o seu percurso. Não existem exames específicos que permitam concluir se a Tourette está presente.

TOURETTE: Mas não temos todos tiques?

Sim, é verdade que qualquer pessoa pode experienciar tiques ao longo do seu percurso de vida, mas será que todas essas pessoas vão ter tiques que não lhes permitem adormecer? Que trazem desafios em concretizar atividades da vida diária tão “simples” como comer? Que vão fazê-las ficar com dores de cabeça e no corpo recorrentes ou constantes? A diferença está mesmo aí e esta questão é mais um reflexo do problema de se olhar para a Tourette apenas pelos seus tiques.

Eles podem sim existir em toda a população, mas para algumas pessoas acontecem numa intensidade e frequência particulares e com outras experiências associadas. Assim sendo, comentários como “toda gente tem tiques” ou “eu também faço isso e não é nada demais” devem ser evitados, pois têm subjacente uma mensagem de desvalorização da experiência da pessoa neurodivergente o que, tem também em si, as suas consequências. O percurso já é cheio de buracos e obstáculos, não é necessário criar mais.

COMO AJUDAR A CRIANÇA TOURETTE NO SEU DIA A DIA?

  • Quando os tiques estiverem a ser mais intensos, ou se a criança demonstrar desconforto face a eles, procure ajudá-la a direcionar a atenção para algo. É importante que seja algo que goste e que lhe dá prazer, uma vez que tal será um grande captador da atenção;
  • Também em dias em que os tiques estejam mais intensos, pode fazer sentido evitar locais públicos ou situações que tragam um grande foco para a criança;
  • Procure manter-se calmo. Se a criança detetar que os seus tiques estão a ser um incómodo para si, tal poderá desencadear mecanismos que levam à sua intensificação. Se sentir necessidade, afasta-se durante um pouco e volte;
  • Nos locais públicos, optem por permanecer em sítios onde a criança não se sente tão exposta perante os outros. É importante ouvir a opinião da criança sobre isto. Deixe-a experimentar vários lugares e escolher aquele em que se sente mais confortável;
  • Se e sempre que necessário, sair do local onde estão e procurar um espaço que traga mais tranquilidade à criança;
  • Consciencializar a restante família, professores e pares sobre a Tourette e a importância de não evidenciarem os tiques. Não assuma que as restantes sabem do que a Tourette se trata e como podem apoiar.

COMO AJUDAR A CRIANÇA TOURETTE NA ESCOLA?

  • Sugira à criança que escolha o lugar onde se pretende sentar na sala de aula (poderá preferir um lugar onde não é tão observada pelos colegas);
  • Pelos possíveis desafios na regulação da atenção, combinar com a criança um mecanismo que permita ao professor ajudá-la a redirecionar a atenção para a aula (e.g.: um gesto, um toque ligeiro no ombro…);
  • Criar oportunidades naturais de a criança sair da sala (e.g.: ir buscar um papel a outra sala, ir dar um recado). Esses momentos fora da sala – e fora da observação dos colegas – poderão ser importantes para a externalização dos tiques;
  • Crie espaço para que a criança possa sair da sala caso esteja a sentir-se sobrecarregada e sinta que exista uma possível “explosão” de tiques eminente. Poderá ser importante estar sozinha e num local com menos estímulos;
  • Verifique a necessidade de tecnologias de apoio;
  • Recorra aos interesses da criança e faça prevalecer as suas potencialidades. Tal irá ajudar a tornar o contexto escolar e o processo de aprendizagem menos stressante;
  • Normalize os tiques: nunca os evidencie! Não se esqueça de que é um modelo para os pares da criança quanto à forma como olham e atuam perante os tiques;
  • Incentive a comunicação com a família da criança.

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